sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O Gênio Elomar

Lírico ignorado da grande mídia, Elomar Figueira Mello lança livro independente e canta seu universo singular

Foi num pequeno auditório do Espaço Cultural É Realizações, em São Paulo, no último dia 10, que cerca de 80 “cavaleiros” de Elomar Figueira Mello aguardaram, ansiosos, uma apresentação do recluso e mítico músico baiano.

O motivo do concerto foi o lançamento de seu primeiro livro, “Sertanílias”, publicado de forma independente. Aos 71 anos, Elomar raramente concede entrevistas e não permite ser fotografado - nem mesmo nas noites de autógrafos. O excêntrico compositor reside em um sítio, no interior da Bahia, onde cria cabras, compõem canções em dialeto “sertanezo” e comercializa seus álbuns.

Completamente ignorado pelas mídias massificadoras do país e desconhecido do grande público, Elomar engendrou um universo paralelo, em sua obra, estagnado na Idade Média, com direito a reis, rainhas, menestreis, donzelas e cavaleiros. Do outro lado do universo elomariano está o sertão catingueiro, composto pela seca, fome, religiosidade, esperanças e variações linguísticas.
Vestindo preto, das botas ao chapéu, Elomar Figueira Mello sobe ao palco sozinho e logo pede desculpa aos admiradores. “Com a voz assim, não consigo alcançar algumas notas. Mas fazer o quê? Vou me matar?”, brinca o cantor. Após a longa conversa, em que falou sobre a série de shows no território lusitano e sobre o resfriado, que o impediria de cantar algumas canções, Elomar passa a murmurar heroicamente, entre uma tosse e outra, os versos iniciais de sua primeira canção gravada, “O violêro” (1968), sobre um músico errante, ambientada num cenário medieval e sertanejo. Um artista único.

Entre as canções do concerto, que dialogam com a música erudita e com a música popular, o compositor faz criticas ácidas ao neoliberalismo econômico, reflete sobre o Deus ocidental e analisa o povo brasileiro. Em clima intimista, executa “Faviela”, destacando, com muito esforço, os belos versos do refrão, enquanto os momentos de tensão e harmonia da letra transfiguram seu rosto.

Poucas vezes o homem sertanejo foi tão homenageado diante do caos urbano e da modernidade de São Paulo como com a obra de Elomar. Antes de encerrar a apresentação, Elomar recorda as injustas críticas dos jornalistas Tárik de Souza e “um tal de Mauricio Kubrusly”, que o classificaram, ainda no início da carreira, como “mais um que desceu do Nordeste em busca do sol”. Segundo o compositor, apenas Tárik se retratou da crítica. “E até hoje eu ainda não encontrei o sol”, ironiza.

A entrevista

“Eu gostaria que as minhas canções fossem ouvidas”, disse o compositor, numa rara entrevista, concedida com exclusividade a O Diário após a apresentação. A única exigência é que não seja fotografado. A decisão do compositor é surpreendente, inclusive, para seus amigos, presentes no concerto.

Elomar, você é um músico, um literato, um intelectual. Daqui a 80 anos, como você vai querer ser lembrado?

Daqui a 80 anos, meu ‘fio’, continuo sem querer tirar retrato (risos). Eu até que me sentiria muito bem, se, para onde eu vou, fosse dado saber das coisas que se passam aqui, dentro desse ‘bugaiau’, chamado planeta Terra. Eu gostaria de saber que eu fui completamente esquecido, jogado no ostracismo. Mas jogado dentro de uma ostra e jogado dentro do fundo, do mais profundo mar. Isso sim, o ostracismo. Eu gostaria que as minhas canções fossem ouvidas, admiradas, amadas e levadas em consideração. Canções como “Arrumação”, “O pidido”, “Auto da catingueira”, que falam sobre os retirantes, da peregrinação do homem na terra, dos vaqueiros, do homem do campo, sobretudo, que sempre foi alijado pela sociedade urbana, pelos urbanoides. Não precisam saber o nome do autor.

E, se um dia, suas músicas fossem massificadas, executadas exaustivamente na rádio, como você se sentiria?

Dentro do caixão, eu me viraria todo! Se fizessem a exumação do meu corpo, me encontrariam emborcado lá dentro, todo retorcido!

Por que o número sete é tão relevante para você?

Não só o número sete, mas o três, o oito, o um, o quatorze e o quarenta são números que estão constantemente dentro da arquitetura e dentro da História. Moisés, aos quarenta anos matou um nobre egípcio, foi para o deserto, encontrou Jetro, ficou quarenta anos pastorando ovelhas, voltou, e por mais quarenta anos errou pelo deserto, com o povo de Deus, e morreu com cento e vinte. O pior dos números é o seis, porque se refere ao homem, que é a pior parte que tem nessa numerologia sagrada. Dezessete é uma idade muito bonita, muito marcada em minha vida. Eu canto “está fechando sete tempos”, “já cantei nos sete reinos”. Eu canto porque o sete é bonito, porque é belo. O sete é um número sagrado, o número da perfeição. Deus fez o mundo em seis dias e descansou no sétimo. O sétimo é fundamental.
Publicada em O Diário do Norte do Paraná (03/11/08).

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